domingo, 26 de abril de 2009

Entrevista Com Hayek

Trago para vocês esse trecho de entrevista com o Hayek, de 1978, para um tal de Leo Rosten da UCLA... Esse trecho de entrevista é legal porque ele fala sobre o Keynes, e até nos avisa de que o próprio Keynes não acreditava mais no que ele escreveu no Treatise On Money...


Links para o original:

http://hayekcenter.org/?p=843




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Rosten: Esse era, é claro, o período em que John Maynard Keynes estava ganhando reputação internacional, e eu adoraria ouvi-lo falar sobre ele.


Hayek: Olha, eu o conheci muito bem. Eu o conheci antes mesmo de ir para a Inglaterra, em 1928, na reunião do Trade Cycle Research Institute. Lá tivemos nossa primeira divergência econômica – sobre a taxa de juros, caracteristicamente – e ele tinha um habito de ir como um rolo compressor sobre um jovem que se opunha a ele. Mas se você se defendesse, ele lhe respeitaria até o final de sua vida. Ficamos, apesar de divergimos sobre economia, amigos até o final. De fato, foi graças a ele que eu passei os anos de guerra em King’s College, em Cambridge. Ele me arranjou quartos por lá. E conversávamos sobre muitas coisas, mas aprendemos a evitar o tema economia.


Rosten: Vocês evitavam economia?



Hayek: Evitávamos economia.

Rosten: Mas você confrontou a Teoria Geral quando ela foi publicada, não o fez?



Hayek: Não, não confrontei; eu passei um bom tempo resenhando sobre seu Treatise On Money, e o que me impediu de voltar a crítica foi que quando eu publiquei a segunda parte do meu longo exame desse livro, a resposta dele foi: “Ah, eu não acredito mais em tudo aquilo”.

Rosten: Ele disse isso?



Hayek: Sim. [risadas]

Rosten: Quanto tempo depois foi isso?



Hayek: Isso foi em 1932, e o Treatise foi publicado em 1930. Ele já estava rumo a Teoria Geral, e ele ainda não tinha respondido a minha primeira parte quando seis meses depois veio a segunda. Ele apenas disse: “Esqueça, eu não acredito mais nisso”. Isso é muito desencorajador para um jovem que passou um ano criticando um trabalho de ponta. Eu na verdade esperava que quando ele elaborasse a Teoria Geral, ele mudasse novamente de opinião em um ano ou dois; então eu não achei que valesse a pena investir tanto esforço, e ele acabou sendo o livro exageradamente importante. Essa é uma das coisas pelas quais eu me repreendo, porque eu sou bem convencido de que eu seria capaz de ter mostrado os erros daquele livro naquela época.

Rosten: Bem, você não pensou seriamente que ele diria: “Ah, eu não acredito mais no trade-off do desemprego” e tudo mais?



Hayek: Eu tenho certeza que ele teria modificado.

Rosten: Você acha?



Hayek: Ele teria modificado suas idéias. E, de fato, na minha última experiência com ele – eu o vi seis semanas antes de sua morte, depois da guerra – eu lhe perguntei se ele não estava alarmado com o que seus pupilos haviam feito com suas idéias numa época na qual a inflação já era o perigo principal. Sua resposta foi: “Ah, deixe pra lá, minhas idéias foram muito importantes na Depressão dos anos 30, mas você pode confiar em mim: se elas algum dia se tornarem um perigo, eu irei a público quanto a isso”. Mas ele morreu seis semanas depois e não foi capaz de fazê-lo. Eu sou convencido de que Keynes teria sido um dos grandes combatentes da inflação.

Rosten: Você acha que ele faria isso?



Hayek: Ah, sim. Ele não teria tido nem mesmo a menor hesitação. A única coisa pela qual eu lhe culpo é que aquilo que ele sabia ser um panfleto para a época, combater as tendências deflacionárias dos anos 30, ele chamou de teoria geral. Não era uma teoria geral. Era realmente um panfleto para uma situação particular. Isso graças, eu diria, parcialmente a influencia de alguns de seus discípulos mais doutrinários, que lhe incentivaram – há um ensaio recente de Joan Robinson, uma de seus discípulos, no qual ela diz francamente que eles tiveram algumas vezes uma grande dificuldade em fazer Maynard ver as implicações de sua teoria. [risadas]

Rosten: Eu estou interessado no fato de que você acha que teria sido fácil reverter a opinião pública, saindo de um período deflacionário.



Hayek: Bem, eu não acho, mas Keynes...

Rosten: Ah, ele achava. Entendo



Hayek: Keynes tinha uma prepotência suprema de seu poder de mexer com a opinião pública. Você sabe, ele deu conta do recado do tratado de paz. E desde então, ele acreditava que poderia mexer com a opinião pública como se ela fosse um instrumento. E por essa razão, ele não estava nem um pouco preocupado com o fato de que suas idéias fossem mal interpretadas. “Oh, eu posso corrigir isso a qualquer momento”. Isso era o que ele sentia sobre isso.

Rosten: Como você acha que ele figurará na história da teoria e pensamento econômico?



Hayek: Como um homem com muitas grandes idéias, mas que sabia pouco sobre economia. Ele não sabia nada exceto economia Marshalliana; ele estava completamente por fora do que acontecia em outros lugares; até mesmo sobre história econômica do século XIX ele sabia pouco. Seus interesses eram amplamente guiados por apelo estético. E ele odiava o século XIX, e, portanto sabia muito pouco sobre ele – mesmo sobre a literatura científica. Mas ele realmente foi um grande especialista na era de Elizabeth.

Rosten: Eu estou absolutamente surpreso em ouvir você dizer que John Maynard Keynes realmente não conhecia a literatura econômica. Com certeza ele a debulhou.



Hayek: Ele conhecia muito pouco. Mesmo dentro da tradição inglesa ele conhecia muito pouco dos grandes escritores monetários do século XIX. Ele não sabia nada sobre Henry Thornton; ele sabia muito pouco sobre Ricardo, só as coisas famosas. Mas ele poderia ter encontrado qualquer numero de antecedentes de suas idéias inflacionárias nas décadas de 20 e 30 do século XIX. Quando eu lhe falei sobre isso, era tudo novidade para ele.

Rosten: Como ele reagiu? Ele ficou envergonhado?



Hayek: Oh não, nem um pouco. Ele era muito autoconfiante, convencido de que aquilo dito pelos outros sobre o assunto não era muito importante. No fim – bem, não no fim – houve um período logo após ele ter escrito a Teoria Geral que ele estava tão convencido de que ele havia refeito toda a ciência que ele estava até desdenhoso de qualquer coisa que tivesse sido escrita antes.

Rosten: Ele manteve essa confiança até o fim?



Hayek: Eu não posso dizer, porque, como já expliquei, nós quase paramos de falar sobre economia. Um grande número de outros assuntos – sua história geral das idéias, e por ao vai – nós tínhamos interesse. E, você sabe, eu não quero que você tenha a impressão de que eu o subestimei como pensador; ele foi um dos pensadores mais originais e inteligentes que eu conheci. Mas economia era apenas uma atividade paralela para ele. Ele tinha uma ótima memória; ele era extraordinariamente letrado; mas economia não era bem seu interesse principal. Sua própria opinião era de que ele seria capaz de recriar o assunto, e ele até desdenhava muitos dos outros economistas.

Rosten: Isso encaixa com seus dois tipos de mentes? Você escreveu em Encounter alguns anos atrás um pouco sobre isso.



Hayek: Curiosamente, eu direi, Keynes era meu tipo de mente, não o outro. Ele certamente não poderia ser descrito como um mestre de seu assunto, como eu descrevi o outro tipo. Ele era um pensador intuitivo com um conhecimento muito grande em diversos campos, que nunca achou que economia era importante o suficiente – ele apenas tomou como dado que o livro texto de Marshall continha tudo que alguém precisava saber para entender do assunto. Havia uma certa arrogância na economia de Cambridge – eles pensavam que eram o centro do mundo, e que se você tivesse aprendido economia de Cambridge, não havia mais nada que valesse a pena aprender.

Rosten: É verdade que ele disse: “Eu não sou mais um Keynesiano?”



Hayek: Eu não o ouvi dizer isso; é bem possível. No fim das contas, o Keynesianismo se espalhou só após sua morte. Não se pode esquecer que ele morreu logo em 1946, bem quando a coisa se tornou geralmente aceita. De fato, eu de vez em quando digo que sua morte fez dele um santo cuja palavra não deveria ser criticada.

Se Keynes tivesse ficado vivo, ele teria modificado em muito suas próprias idéias, assim como ele estava sempre mudando de opinião. Ele nunca teria se afincado aquele conjunto de idéias em particular. E você poderia discutir com ele. Já que estamos falando dele, curiosamente as duas pessoas que eu achei mais interessante de conversar um bocado foram Keynes e Schumpeter, dois economistas que foram os sociáveis e os mais letrados em termos gerais que eu conheci – com a diferença que Schumpeter conhecia a história da economia intimamente e Keynes não.



Rosten: Keynes leu Schumpeter?

Hayek: Eu diria que sim, mas ele não estava lendo muita economia contemporânea na verdade. Ele provavelmente tinha uma idéia [de Schumpeter]. Eu os vi juntos; então eu sei que ele o conhecia. Mas eu duvido que ele estudou cuidadosamente alguma coisa... O livro de Schumpeter sobre o capitalismo, que eu mencionei acima [na entrevista], foi publicado durante a guerra, quando ele estava muito ocupado para ler qualquer coisa do gênero. Quanto aos trabalhos antigos de Schumpeter, eu suspeitaria que Keynes leu a brochura que Schumpeter escreveu sobre o dinheiro, porque era de seu campo principal, mas provavelmente nada mais.


Rosten: Estou interessado em seu comentário anterior sobre o fato de que trata-se de um homem de imensa inteligência, grande imaginação, amplo conhecimento, e tudo mais, e ainda sim não era um economista. Não está claro para mim se você quis dizer que ele não tinha o tipo de mente que desponta na economia – assim como na matemática, onde você pode encontrar pessoas que são brilhantes, mas, exceto matemática, estão perdidas – ou você quis dizer que ele não tinha o tipo de mente que credencia os economistas de primeira linha?


Hayek: Ah sim, ele tinha. Se ele tivesse dedicado toda sua mente à economia, ele poderia se tornar um mestre em economia, dos principais. Mas haviam certas partes da teoria econômica pelas quais ele nunca se interessou. Ele nunca refletiu sobre a teoria do capital; ele era muito fraco até na teoria do comércio internacional; ele era bem informado sobre a teoria monetária contemporânea, mas não sabia de autores como Henry Thornton ou Wicksell; e claro, seu grande defeito era que ele não lia nenhuma língua estrangeira exceto francês. Toda a literatura alemã era inacessível a ele. Ele resenhou, curiosamente, o livro de Mises sobre a moeda, mas depois admitindo que em alemão tudo que ele entendia era o que ele já sabia. [risadas]



Rosten: O que ele já sabia antes de ler o livro. Como você distinguiria as correntes econômicas vigentes na Áustria e na Suécia e Inglaterra na sua época?

Hayek: Bem, infelizmente na Inglaterra – Suécia e Áustria estavam andando paralelamente – se Jevons estivesse vivo, ou se seu extraordinário pupilo Wicksteed tivesse possuído mais influência as coisas talvez tivessem desenvolvido noutra direção; mas Marshall quase que estabeleceu um monopólio, e na época que eu mudei para a Inglaterra, com a exceção da London School Of Economics, onde Edwin Cannan tinha criado uma posição diferente, e onde Robbins era um dos poucos economistas que conhecia a literatura mundial – ele aproveitava tudo – a Inglaterra estava dominada pelo pensamento Marshalliano. E essa idéia de que se você conhecesse Marshall não havia mais nada que valesse a pena ler era muito difundida.

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